quinta-feira, março 08, 2007

 

O Jogo da Bola

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A malta começa a jogar desde muito pequenos sem saber da real dimensão da coisa. É só uma bola para dar uns chutos e uns toques, por forma também a fortalecer os laços do espírito de grupo e de equipa.

Depois, por afinidades inatas ou por influências de indivíduos mais velhos, familiares, professores ou “amigos” que nos fazem adeptos à força, escolhe-se um clube e uma cor.

Passamos o final da infância e o princípio da adolescência a continuar a jogar com a malta e a dividir as equipas dos jogos de rua por afinidades clubísticas (agora é mais nos pavilhões e campos de jogo das escolas, no meu tempo era mesmo na rua).

Mais tarde, perto da idade adulta, o pessoal apercebe-se que a bola não é só um desporto, é também um grande negócio de milhões, indo além das tristezas e alegrias do que se passa dentro das 4 linhas.

Simultaneamente a isto tudo, vamos vendo que há uns quantos que não gostam de bola. Tudo bem, estão no direito deles. Mas também nos apercebemos que há uns quantos que fingem não gostar. Ou porque lhes fica bem, ou porque lhes dá jeito junto das raparigas, ou porque se querem armar em intelectuais de treta.
Ora bem, quanto a estes últimos, que estiveram muito em voga desde o pós-25 de Abril até ao final dos anos 90, não é fácil fazer-lhes um diagnóstico, pois sempre se consideraram especiais (vulgo: pseudo-intelectuais...) e nunca, ou raramente, transpareceram posições quanto à bola.

Ora, nos últimos anos, alguns resolveram sair da toca e dar a cara... o Miguel Sousa Tavares, o maestro Vitorino de Almeida, o Sérgio Godinho e uma série de pretensos intelectuais (não os que referi...): escritores, jornalistas, cineastas, ensaístas, e tal, e tal... uns tornaram-se comentaristas da bola (que belo tacho...) sem perceberem um cu do que estão a falar, outros começaram a frequentar círculos onde se fala mais de bola e das suas vicissitudes do que da procura da verdade e do sentido da vida e da intensidade dramática desta ou daquela peça de teatro.

Agora, todos esses que há uns anos atrás repudiavam a bola, porque era desporto de massas, do povo, para burros e tacanhos, viram aí uma boa base de auto-promoção (quem lhes apara a baba agora?..) e de rendimento fácil e rápido.
Isto é, os que anteriormente só adulavam os jogadores e os clubes na privacidade com medo de represálias pelos seus pares, é vê-los a ir aos estádios equipados a rigor ou a ir ao supermercado encher os carrinhos de cerveja para reunir a malta à volta de um jogo da bolacha...

Se todos, ou a maioria, começámos a jogar à bola na rua com os amigos e a vê-la na TV ou nos estádios com a maior das inocências e somente com o puro gosto pelo jogo em si, porque não continuar a fazê-lo sem dar grande importância aos milhões que a rodeiam?..

Eu, por mim, sempre joguei à bola desde puto, se bem que agora já não o faça com a frequência que o fazia antes. Contudo, não foi por dar uns chutos para o ar e de tentar fazer as fintas que os craques fazem que deixei de ler Pessoa, García Marquez ou Lobo Antunes, ou de acompanhar os noticiários televisivos ou de comprar jornais. Ou de ir ao teatro e ao cinema ou de me preocupar com a pobreza humana e de espírito ou com as desigualdades que este mundo diariamente promove e não resolve, antes pelo contrário.

Se há alturas em que me consigo abstrair dessa merda toda, é nos 90 minutos (mais descontos...agora, diz-se tempo de compensação...) que dura a jogatana. Claro que fico triste se o meu clube perde ou não ganha, mas dá-me um gozo do caraças vê-los ganhar.
O que interessa é ver o jogo, o resto é conversa.

Depois do jogo esqueço isso tudo e volto à realidade. Sim, porque para a semana logo jogamos outra vez e já posso desligar-me deste mundo filho da puta outra vez durante hora e meia.

Portanto, não me fodam com esse discurso de merda que a bola é para burros, tacanhos e para o povo inculto.


João Vasco

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